O surgimento da pandemia de Covid-19 em 2020 no Brasil impactou o consumo interno de café sob diversas formas. No momento inicial, a indústria verificou um incremento pontual na demanda dos lares, enquanto na área de cafés especiais, onde o consumo ocorre mais fora do lar, em cafeterias, que foram fechadas, houve uma retração muito forte. Em nível mundial já se previa na virada do semestre uma queda do consumo do produto no ano, mas no âmbito doméstico não se estava fazendo avaliações naquele momento. O Brasil, maior produtor e exportador, é o segundo maior consumidor mundial do produto.
A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), que em 2019 havia detectado uma estabilização no consumo interno (inclusive com pequena queda em relação a 2018), sem ainda analisar até junho de 2020 o que determinou esse comportamento, abordava o assunto em 27 de maio deste ano no seu Jornal do Café, vendo “a transformação no hábito de consumo em tempos de pandemia”. Apontava que o agronegócio do café, na contramão dos demais setores da indústria, registrou aumento de 35% no consumo do produto no mês de março, e que, “mesmo diante de uma situação atípica, a bebida, que possui uma taxa de 97% de penetração nos lares, continua sendo uma prioridade na mesa dos brasileiros”.
De qualquer forma, era observado que “o medo da exposição e da contaminação faz com que as pessoas passem menos tempo no mercado, priorizando os itens básicos e essenciais”, e que havia “a desvantagem da proibição de ações de experiência dentro dos estabelecimentos, como, por exemplo, as degustações, dificultando a aproximação de potenciais novos clientes com a marca”. Além disso, era alertado que “a consumação fora do lar, que representa 34% do total da produção nacional, também sofre com o fechamento de bares, restaurantes e cafeterias”.
O diretor-executivo da Abic, Celírio Inácio da Silva, acentuava que “o hábito das pessoas que bebiam o café em casa não foi alterado”, evidenciando: “O que houve de início foi um medo generalizado de que faltasse café no mercado”. Mas garantia que “há um esforço muito grande por parte da Abic e de todos os envolvidos para tranquilizar a população de que não vai faltar café” e de que continuam incentivando o uso de cafés especiais, certificados e com qualidade garantida, enquanto as indústrias operam dentro dos padrões estabelecidos pelas autoridades de saúde.
Ainda era estimulado uso de redes sociais e outros meios, o que, segundo o diretor, as marcas vêm fazendo como forma de estabelecer contato com o consumidor final, em ações e campanhas facilitadas com a ótima penetração do produto nos lares. “De um tempo para cá, o café deixou de ser apenas um alimento e tornou-se um hábito. As empresas perceberam que é importante investir em comunicação para alcançar todos os brasileiros e educá-los sobre os mais variados tipos de café”, afirmou.
SOLÚVEIS E ESPECIAIS
Na área específica dos cafés solúveis, a entidade do setor, a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), registrou em 2019 crescimento de 5,6% no consumo, atingindo volume de 21,3 mil toneladas. Observava também, no relatório apresentado em janeiro de 2020, que “nos últimos três anos o consumo de café solúvel teve crescimento médio de 4,22%, superior ao de café torrado e moído”. Destacava ainda novidades lançadas pelas grandes marcas, assim como estratégias de promoção e marketing, além de investimentos em ampliações e novas plantas de produção superiores a R$ 800 milhões, que estão em andamento até 2022.
Para 2020, estimava então incremento de até 8% na demanda doméstica e as notícias que surgiam nos primeiros meses, mesmo em meio à pandemia, davam asas a essa meta, tanto que as vendas internas do produto aumentaram 11% no primeiro quadrimestre. No início de junho, manifestações da entidade ainda viam cenário positivo, porém a projeção do índice de crescimento já diminuía para 3,5%. Verificava que a pandemia não fez as pessoas deixarem de tomar café, mas até a aumentarem o consumo, e que, apesar dos impactos nas cafeterias e nos cafés especiais, parte deste volume migra para o café torrado e solúvel.
O segmento de cafés especiais, composto em sua maioria de micro e pequenas empresas independentes nas áreas de torrefação e cafeterias, por sua vez, sofreu diretamente os efeitos da recomendação de isolamento durante a pandemia, revelou a associação brasileira do setor (BSCA), por meio da sua diretora Vanusia Nogueira, em nota de 30 de abril de 2020. Levantamento entre seus associados, divulgado então, apontava queda média de 76,25% na venda do produto e casos de até 100%. “O fechamento das cafeterias provocou estrago devastador nesses negócios e também respingou nas torrefações que fornecem café”, disse a diretora.
Em contrapartida, aumentaram vendas online (cerca de 49%), “mas este impulso na internet não cobre ou compensa as perdas ocasionadas pelo fechamento das lojas físicas, permitindo uma sobrevida a pequenas cafeterias e microtorrefações”, observou a dirigente. A entidade também registrava iniciativas que visavam possibilitar a conexão e a sobrevivência dos cafeicultores e dos empresários no nicho dos cafés de excelência, como é o caso do “grão coletivo”, grupo que debate e implementa ações de contingência no setor, outras promoções específicas e lives nas redes sociais, buscando soluções para superar a crise.
(Editora Gazeta/ Agrolink)