O distanciamento social necessário para evitar o contágio pelo coronavírus é mais uma fonte de preocupação para os cafeicultores brasileiros, pois ocorre justamente no período de colheita do café, quando as fazendas têm maior movimento de pessoas. A agricultura familiar deve atravessar a pandemia sem transtornos, por contar com a própria mão de obra, enquanto os médios e grandes produtores terão que se adaptar para contratar trabalhadores e chegar até o final colheita sem grandes prejuízos.
Uma das primeiras regiões a se preocupar com o impacto do coronarívus foi o noroeste de Minas Gerais. O deputado federal Evair de Melo (PP/ES) conta que, no município de Capelinha, o clima era de pânico entre os produtores no início de março, por causa do temor de faltar mão de obra para a colheita do café. Os trabalhos começaram em meados de março sem problemas, porque a colheita está atraindo pessoas da cidade que estão sem ocupação ou foram dispensadas do trabalho por causa da quarenta, o exigem mais cuidados nas fazendas.
O deputado elaborou uma cartilha para ajudar os produtores a adotar medidas de prevenção contra a pandemia (veja abaixo em “Recomendações aos cafeicultores”) e nas últimas semanas realizou conferências virtuais com cooperativas e associações de cafeicultores. “Passou o susto e vamos tecnicamente adaptar o processo de colheita, obedecendo às recomendações das autoridades sanitárias”, diz ele, que questiona os critérios do isolamento e classifica a medida como “aquartelamento”.
Técnico especialista no manejo dos cafezais, Evair de Melo explica que a recomendação técnica é “achatar” a colheita, começando pelos grãos mais maduros, pelas bordas dos talhões e pelas lavouras mais sofridas. Ele também considera importante uma ação solidária para troca de mão-de-obra entre os produtores, que deve retardar o manejo de pós-colheita para controlar pragas e doenças. “O importante é fazer uma colheita bem feita, não deixar grãos nos pés e evitar um prejuízo ainda maior: a pandemia de broca, um pandemônio na cafeicultura”.
Matas de Minas
O cafeicultor mineiro Ednilson Dutra, um dos sócios da Fazendas Dutra, que exporta cafés especiais, está se preparando para enfrentar as dificuldades para colher o café a partir do início de maio. Nas fazendas da empresa localizadas nas Matas de Minas, região montanhosa que faz divisa com Espírito Santo e Rio de Janeiro, são cultivados 700 hectares de cafezais, em condições normais trabalham 400 pessoas durante a colheita manual dos cafezais.
Dutra diz que pretende colher com menos gente e espera contar com pessoas que morem mais próximas das fazendas, o que será complicado, pois o ano é de safra grande. Normalmente, ele disponibiliza um ônibus que leva e traz gratuitamente trabalhadores em um raio de até 50 km da fazenda. Neste ano irá pagar um adicional por volume colhido para quem conseguir transporte próprio. Essa despesa adicional vai aumentar o gasto com mão de obra entre 20% a 30%.
O cafeicultor explica que a ideia é que a família, ao chegar à fazenda, vá direto para os talhões, sem aglomerações, e sem contato com demais trabalhadores. Outra mudança por causa do coronavírus é na forma de pagamento, que antes era feito nos escritórios. Neste ano o cheque será entregue direto no talhão onde trabalha a família, que em seguida retorna para a residência. Dutra já prevê mudanças para o próximo ano, como o depósito em conta.
A empresa conseguiu embarcar o último contêiner com carga da safra passada no início de março. Dutra diz que o futuro é incerto, porque até as cafeterias na Europa, de países como a Bélgica, que compram o café da empresa, estão enfrentando problemas de queda do consumo por causa das medidas de distanciamento social. Algumas informaram que estão vendendo mais delivery e nos supermercados.
Conilon
No norte do Espírito Santo, o presidente da Cooperativa dos Cafeicultores de São Gabriel da Palha (Cooabriel), Luiz Carlos Bastianello, acredita que as medidas de combate ao coronavírus não devem ter impacto significativo na rotina e nos custos de colheita da região porque 80% dos cooperados são agricultores familiares, que realizam os trabalhos sozinhos ou contam com a ajuda de no máximo duas ou três pessoas.
Bastianello afirmou que tradicionalmente, por ser região de agricultura familiar, o norte capixaba não atrai muitos trabalhadores de outros estados. Ele afirmou a oferta de mão de obra para atender os médios e grandes produtores pode aumentar com a elaboração de cadastros pelas prefeituras de pessoas sem renda ou com contrato de trabalho suspenso em função da quarentena, que estejam dispostos a realizar a colheita.
Ele afirmou que a cooperativa elaborou uma cartilha de orientação aos produtores sobre os cuidados no transporte de trabalhadores, no alojamento, alimentação e colheita, para conter o coronavírus, além de suspender as visitas dos técnicos às propriedades para prestar assistência. “O serviço está sendo realizado por telefone, até porque a demanda é menor, devido ao fato de as atenções neste momento estarem voltadas para a colheita”.
A Cooabriel tem 5.600 cooperados, que na safra passada entregaram 1,7 milhão de sacas de café conilon (robusta), que representaram 15,9% da produção capixaba e 11% da nacional da variedade. Bastianello acredita que o volume a ser colhido deve recuar 10% neste ano, em função de fortes ventos durante a florada em setembro do ano passado e aos altos custos dos insumos, que desestimularam a realização dos tratos culturais.
Recomendações aos cafeicultores
– Identificar se os locais de origem dos trabalhadores possuem casos positivos da Covid-19;
– Em caso de positivo, é preciso fazer o diagnóstico dos trabalhadores antes do embarque;
– Não poderá ser permitida a entrada no veículo do trabalhador que tiver qualquer sintoma da Covid-19 (febre, tosse, dificuldade de respirar);
– Os trabalhadores deverão sentar-se a, pelo menos, 1,5 metro de distância, uns dos outros;
– Deverão ser disponibilizados álcool em gel 70% aos trabalhadores para que façam a limpeza das mãos antes de entrarem no veículo;
– Seguir os procedimentos do Ministério da Saúde para os grupos de risco;
– Distribuir e disponibilizar materiais de higiene antes do embarque e exigir que os trabalhadores façam uso desses materiais;
– Os veículos que vão transportar os trabalhadores deverão trafegar com as janelas abertas e devem ser desinfetados antes e depois das viagens;
– Ao chegar no local de trabalho (lavoura de café), realizar novamente a higienização e o diagnóstico dos trabalhadores;
– Realizar desinfestação com produtos em equipamentos automatizados como tratores, caminhões, secadores e todos os equipamentos utilizados na lavoura de café;
– Higienizar peneiras, panos, e todos os equipamentos que estiverem em contato com o trabalhador;
– Determinar aos trabalhadores as regras de distanciamento orientadas pelo Ministério da Saúde;
– Todos os equipamentos de uso do trabalhador devem ser identificados e guardados separadamente após término do trabalho diário;
– Manter equipe permanente de higienização nos banheiros, refeitórios e áreas afins.
Fonte: Revista Globo Rural