O cafeicultor tradicional era aquele que plantava e cultivava o café. Realizava a colheita dos grãos e a preparação deles. Porém, há aqueles que vão além das sacas de café. Eles produzem e vão até o consumidor levar seu produto. Esses são os novos empreendedores da cafeicultura que estão se tornando muito comuns no Sul de Minas.
Para o Técnico de Cafeicultura da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater–MG), Bernardino Cangussú Guimarães, essa “onda empreendedora” veio para ficar. “Os produtores conseguem agregar valor considerável ao produto, mesmo que não consigam fazer volumes muito grandes”, garantiu.
Essa “onda” teria sido impulsionada por dois motivos. O primeiro deles são os concursos para escolha dos cafés especiais. “Os concursos de café que os produtores passaram a ganhar trouxeram visibilidade aos ganhadores. Eles ficavam animados aos ver as pessoas instigadas a conhecer e provar o café campeão”, disse Bernardino.
Outra razão para o que ele chama de “terceira onda do café” é o fato dos consumidores irem atrás dos produtores em busca do café para conhecer e tomar.
Bernardino que apresentou uma tese de mestrado sobre o assunto, disse que a terceirização de processos de torra, moagem e envase tem garantido a constante chegada de novos cafeicultores nesse mercado. “Com a terceirização o produtor se especializou apenas na produção e venda. Ele terceirizou outras etapas. Ele não precisou ter um capital maior para montar uma agroindústria em sua propriedade. Um exemplo é o próprio Instituto Federal do Sul de Minas (Ifsuldeminas) de Machado (MG) que presta esse serviço aos produtores”, explicou.
A produtora Lidiane de Oliveira Vilela também buscou um serviço terceirizado para seu café produzido nas lavouras de Guapé (MG). “Fomos atrás de alguém que fizesse esse serviço terceirizado de torrefação e moagem. Buscamos uma empresa de segurança, que não trocaria nosso café. Uma empresa de qualidade. Se a torra não for adequada não adiante ter um café de qualidade porque o produto se perde”, contou.
O técnico da Emater garante que, em média, a venda do café processado tem gerado o dobro de lucros quando comparada a de grãos de café sem processamento (industrialização). “Existem casos de produtores que não tem conseguido essa lucratividade, mas isso se deve a falhas administrativas dentro do negócio ou da propriedade dele”, observou.
Localização
Bernardino explica que esse tipo de atividade está pulverizada em todo Sul de Minas. Porém, duas áreas têm concentrado mais produtores. “São regiões montanhosas como a Serra da Mantiqueira e os arredores de Poços de Caldas (MG). O número de produtores industrializando café tem aumentado, principalmente, em função da qualidade dos grãos que essas regiões têm apresentado”, contou.
É possível dividir esses empreendedores pelo tipo de café comercializado. O pequeno e o médio produtor se concentram em cafés especiais. Já o café comum (commodities) já necessita de um processo em maior escala. Segundo Bernardino que é mestre em Sistemas de Produção Agrícola, “o produtor tem que estar disposto a concorrer com grandes marcas em um mercado onde o preço é muito achatado”.
Ele observou que esse “fenômeno” é “tão interessante que está forçando as grandes marcas do mercado, que trabalham com o café comum, a oferecer mais qualidade aos consumidores”.
Exemplos
A empresária Fernnanda Vieira é um exemplo desses produtores que estão indo até o consumidor. Em maio de 2019, ela montou sua cafeteria no centro de Carmo do Rio Claro (MG). Ela trabalha com cafés especiais em cápsulas, grãos e pó.
Cerca de 15 sacas da produção total são direcionadas todos os anos para a marca própria. A área de cultivo é de 18 hectares. O café produzido já recebeu 83 pontos e chegou a ganhar prêmios regionais.
Outro produtor e conterrâneo de Fernnanda, o empresário Cássio Balbino, cultiva 30 hectares de café arábica em Carmo do Rio Claro. Ele está há 8 meses vendendo seu produto ao varejo. Nesse tempo ele garante que deixar seu café nas mãos do consumidor é um desafio a cada dia.
“Eu encaro isso como um desafio. Também é um prazer ver seu produto na prateleira de um supermercado, indo parar na mesa do consumidor. Ainda depois de termos feito todas as etapas do café desde a preparação da muda até a distribuição”, afirmou.
A médica Lidiane Oliveira é cafeicultora aos finais de semana. Ela acabou de lançar no início deste mês, sua marca própria de café especial. Em 9 hectares, ela cultiva uma lavoura que já produziu cafés de 84 pontos. “Na comercialização nós nos responsabilizamos por todas as etapas do processo. Registramos e abrimos nossa empresa, contratamos uma torrefação, escolhemos embalagem, fizemos a logomarca do café e montamos todo o site para nossas vendas”, relatou.
Questionada sobre o que a motivou levar seu café para a venda direta, ela explicou que um dos motivos foram os pedidos de amigos e familiares para experimentar a bebida. “Vimos o quanto instável é o preço nas cooperativas e percebemos que processar o café, embalar e vender iria agregar mais valor e mais estabilidade nos nossos rendimentos. Como nossa bebida foi especial, tivemos a certeza que seria uma oportunidade interessante”, explicou.
Novatos no negócio
Questionado sobre o que dizer para quem está entrando nesse negócio, Bernardino foi unânime: manter um padrão estabelecido. “O segredo é ter um padrão de qualidade estabelecido. Todo mês, o consumidor tem que comprar o mesmo café com mesma aparência e sabor. Também é preciso encontrar um ótimo profissional de torra e realizar um envase bem feito que leve a uma boa apresentação e bom armazenamento do produto”, afirmou.
Fernanda também deixou sua dica para quem está começando com cafés especiais. “Paciência, foco e direcionamento. Esse mercado ainda é pequeno e a gente precisa fazer o consumidor “de entrada” entender aos poucos o que é esse café de qualidade”.
Lidiane também deixa uma dica para quem quer começar “Recomendo primeiro conhecer bem o seu café, pensar no mercado que deseja alcançar e ir aos poucos, dia a dia planejando toda a logística e organização para efetivar o produto. São várias etapas e é, aos poucos, que vamos aprendendo e aperfeiçoamento”, aconselhou.
Mesmo com 25 anos de experiência na produção de cafés, Cássio encara o novo desafio e garante que é um caminho promissor. “Da porteira pra dentro dominamos bem a produção. Agora, da porteira pra fora, ainda é um aprendizado. Mas já vimos que vale a pena”, finalizou.
(G1 – Sul de Minas)