A raiva é uma das doenças mais antigas da humanidade e a que mais se relaciona com o conceito contemporâneo de Saúde Única, cujo tema amplo e diversificado é base de estudos e debates sobre a interação da saúde entre pessoas, animais e meio ambiente. No Dia Mundial de Conscientização da Raiva, celebrado nesta segunda (28/9), o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), vinculado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), alerta produtores e sociedade sobre os riscos dessa enfermidade classificada como zoonose, transmitida de animais para pessoas, e responsável ainda por surtos ligados à antropização do ecossistema. A transmissão para os herbívoros de produção se dá pelos morcegos hematófagos.
O combate e a prevenção contínuos a essa doença são necessários. O objetivo das ações fiscalizatórias do IMA é realizar o controle da raiva no estado, preservando a saúde dos trabalhadores do campo, a saúde animal e dos produtos advindos da cadeia produtiva da carne e do leite, amenizando eventuais prejuízos ao agronegócio. Os trabalhos voltados ao controle da raiva em Minas Gerais são de responsabilidade da equipe composta pelos servidores Daniela Bernardes, Jomar Zatti, Fábio Iurck, com a supervisão do gerente de Defesa Sanitária Animal, o médico veterinário Guilherme Costa Negro Dias.
Os atendimentos a focos e suspeitas são considerados de natureza essencial, sendo necessária a comunicação do produtor e sociedade ao IMA para que investigações e medidas sanitárias sejam tomadas pelos fiscais. Mesmo durante a pandemia, já foram atendidas 164 notificações em todo o estado, com quatro forças-tarefas que chegaram a 239 propriedades rurais e 244 abrigos ativos, capturando 1.085 morcegos hematófagos da espécie Desmodus rotundus. Vale lembrar que os fiscais da linha de frente trabalham com todos os cuidados, sendo necessária a sorologia protetiva contra a raiva e uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI).
O gerente de Defesa Sanitária Animal do IMA, médico veterinário Guilherme Costa Negro Dias, reforça que o combate à doença é uma prioridade contínua. “Seja na coleta de material ou no processamento de amostras pelo Laboratório de Saúde Animal (LSA), que está equipado para receber centenas de amostras anuais, sempre com o objetivo de realizar o diagnóstico de raiva animal de maneira rápida”, reforça.
Força-tarefa
Os fiscais comparecem na propriedade para investigar e coletar material para diagnóstico, que é realizado pelo Laboratório de Saúde Animal (LSA) do IMA. Além desse trabalho de coleta de material e investigação epidemiológica, os servidores fazem o controle populacional do morcego hematófago Desmodus rotundus, principal transmissor da doença, além de ações de educação sanitária que conscientizam a população rural em relação a esta grave zoonose.
Quando ocorre um surto de raiva em alguma região, operações específicas de controle da raiva dos herbívoros são realizadas. Nessas operações denominadas “força-tarefa”, equipes do IMA de outras regiões são convocadas.
“Os servidores convocados têm muita experiência para executar as ações de atendimento a foco e captura de morcegos. Essas operações sempre contam, também, com o apoio de servidores municipais das localidades que conhecem a região, auxiliando na identificação de abrigos e localização das propriedades a serem trabalhadas. Geralmente, é realizada uma reunião de alinhamento inicial e, posteriormente, ocorre o direcionamento das equipes para as áreas de foco e perifoco. Lembrando que todos os servidores participantes são devidamente treinados e contam com a sorologia antirrábica atualizada”, pontua Dias.
Notificações
Além do registro no site www.ima.mg.gov.br ou por e-mail da unidade do IMA mais próxima, desde janeiro de 2020 as notificações de suspeitas e focos da raiva podem ser feitas pelo Sistema Brasileiro de Vigilância e Emergências Veterinárias (E-Sisbravet), uma ferramenta digital integrada desenvolvida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para acompanhamento do Serviço Veterinário Oficial (SVO) de cada estado da federação e instituições envolvidas.
Qualquer pessoa, seja produtor ou profissional da área de saúde animal, pode acessar a plataforma e informar suspeita de doenças ou alta mortalidade de animais. A partir dessa etapa, o caso será registrado com todos os passos da investigação. O sistema é integrado com a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA) para acesso de dados de cadastro e população animal, além de previsão de integração com laboratórios para acesso aos laudos de diagnóstico das doenças.
Guilherme Costa Negro Dias explica que zoonoses exigem uma imediata ação, devido ao risco para a saúde humana. Sendo assim, quanto menor o tempo de intervenção, maiores as chances de mitigar os riscos e prejuízos. “O IMA realiza os atendimentos às notificações que, mesmo durante a pandemia, continuam sendo executados. Conforme diretrizes do Ministério da Agricultura, o atendimento em sua maioria é realizado em até 24 horas a partir da notificação. Para os trabalhos de educação sanitária, são aproveitadas as plataformas digitais e rádio para informar, orientar e aproximar os produtores e população geral dos trabalhos realizados no combate a raiva”, lembra.
A melhor forma de prevenir os animais contra a raiva é a vacinação anual de todo rebanho. Sempre que há casos positivos para a raiva dos herbívoros, o IMA notifica às secretarias estaduais e municipais de saúde, bem como esclarece às pessoas que tiveram contato com o animal doente para procurar atendimento médico e informar sobre o contato com animal positivo.
A importância da parceria com outras instituições otimiza a troca de informações para que cada secretaria possa atuar em sua área de competência. “Em caso de raiva bovina, por exemplo, enquanto o IMA realiza a parte de saúde animal, a secretaria de saúde e a vigilância sanitária realizam as orientações para as pessoas que tiveram contato com os animais, fazendo as vacinações humanas pós-exposição e o bloqueio vacinal dos cães e gatos da região”, explica.
Um exemplo de ação integrada, informa Guilherme Costa Negro Dias, foi a notificação ocorrida este ano sobre espoliação de humanos por morcegos hematófagos em Toledo (MG). A notificação inicial foi feita pela Secretaria Municipal de Saúde ao IMA, que realizou a força-tarefa na região.
Os veterinários da iniciativa privada também contribuem de forma significativa para a vigilância da doença, já que muitos atendimentos de animais com sinais clínicos neurológicos são feitos por eles. Em 2020 os profissionais encaminharam para o (LSA-IMA), 106 amostras para o diagnóstico da raiva. A partir desse diagnóstico, ações de investigação epidemiológica são realizadas pelo IMA.
Saúde Única
O conceito é uma abordagem que reconhece a saúde humana intrinsecamente ligada à saúde dos animais e ao meio ambiente compartilhado, tendo como objetivo alcançar resultados ideais por meio da colaboração e interação das áreas. A Saúde Única se tornou mais importante nos últimos anos com o avanço da globalização que, por consequência, trouxe mais interações. O avanço das evidências científico-tecnológicas está aumentando a consciência, o conhecimento e a compreensão da interdependência da saúde humana, animal e ambiental.
Médica veterinária, a fiscal do IMA, Handrezza Junqueira, explica que o crescimento das populações se expandem geograficamente, aproximando o contato entre os habitats humanos e de animais selvagens, aumentando o risco de exposição a novos vírus, bactérias e outros patógenos causadores de doenças. “A mudança climática e o uso da terra, como o desmatamento e práticas agrícolas intensivas causam perturbações nas condições ambientais e habitats. O relacionamento mais intenso com os animais, educação e alimentação alteram o equilíbrio ambiental e a globalização intensifica o movimento de pessoas, animais e produtos de origem animal”, argumenta a médica veterinária.
Todas essas mudanças levam à disseminação de graves zoonoses, doenças transmitidas do animal para os humanos. “Os animais também compartilham da nossa suscetibilidade a algumas doenças e riscos ambientais. Por causa disso, podem servir como primeiros sinais de alerta de doenças humanas em potencial. Rastrear doenças em animais ajuda a mantê-los saudáveis e a prevenir surtos de doenças em pessoas”, analisa.
Luciano Puga, médico veterinário e fiscal do IMA analisa esse cenário se baseando em registros históricos. “No descobrimento do Brasil, em 1500, havia apenas animais silvestres no local. A alimentação dos morcegos hematófagos era escassa nessa época e estes animais são, em grande parte, de hábito noturno e de pequeno porte. Com a importação de herbívoros de produção, aumentou a população de morcegos hematófagos”, explica. A adaptação dos morcegos às construções (casas, bueiros, túneis, minas abandonadas) e a ocupação pelo homem de áreas florestais nativas facilitaram a colonização de abrigos, disseminando a raiva, inclusive entre humanos. “A vacinação dos animais domésticos, bem como o controle da população de morcegos hematófagos, são atividades essenciais no controle da raiva”, completa Puga.
A data
O dia 28 de setembro marca, também, a morte de Louis Pasteur, o químico e microbiologista francês que desenvolveu a primeira vacina contra a raiva.
Pensando na importância da raiva como uma grave zoonose, a Aliança Tripartite (OIE, OMS e FAO) e a Aliança Global para o Controle da Raiva (Garc) estabeleceram um Plano Estratégico Global, com o principal objetivo de ter zero mortes humanas por raiva até 2030 (“Zero em 30”).