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Como Santa Maria de Jetibá virou a capital do ovo no Brasil

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O motorista que cruza a entrada de Santa Maria de Jetibá (a 85 km de Vitória), na região serrana do Espírito Santo, logo dá de cara com a estátua de uma grande galinha rodeada por ovos em uma praça à beira do asfalto.

Outro monumento da ave está fixado perto da prefeitura. Enfeites de galinhas e ovos também servem como decoração do bufê em um restaurante da cidade.

As referências não são à toa. Desde 2016, Santa Maria de Jetibá é o município com a maior produção de ovos de galinha no Brasil, conforme a PPM (Pesquisa da Pecuária Municipal), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A cidade capixaba somou 318,6 milhões de dúzias em 2022, período mais recente com dados disponíveis no levantamento. Isso corresponde a um total de 3,8 bilhões de ovos.

Se a produção fosse repartida entre os 41,6 mil moradores locais, cada um ficaria com 91,8 mil unidades –quase 252 por dia.

Ainda de acordo com o IBGE, Santa Maria de Jetibá tem o maior número de galinhas destinadas à produção de ovos entre os municípios brasileiros.

Em 2022, o plantel local foi de 13 milhões de animais. O dado equivale a uma média de 313,2 galinhas para cada 1 dos 41,6 mil habitantes da cidade.

No Brasil, essa relação era de 1,3 animal para cada pessoa. Em 2022, o país tinha 259,5 milhões de galinhas, segundo a PPM, e 203,1 milhões de habitantes, conforme o Censo Demográfico, também divulgado pelo IBGE.

PROXIMIDADE DO RJ, CLIMA E RELEVO AJUDAM
Na visão da prefeitura e de produtores de Santa Maria de Jetibá, uma combinação de fatores contribuiu para transformar a cidade em uma espécie de capital do ovo no Brasil.

A lista citada envolve investimentos em tecnologia e proximidade de centros com grande potencial de consumo e pouca tradição na avicultura, como é o caso do Rio de Janeiro, além de condições favoráveis de clima e relevo no município da serra capixaba.

“A temperatura mais amena ajuda a produção, embora tenhamos períodos mais quentes no verão”, afirma Nélio Hand, diretor-executivo da Aves (Associação dos Avicultores do Estado do Espírito Santo).

“A produção animal requer muito cuidado com a questão sanitária. O fato de a região de Santa Maria de Jetibá ter uma topografia acidentada, com vários morros, ajuda porque cria barreiras sanitárias naturais”, acrescenta.

INÍCIO COM 550 PINTAINHAS
O nome apontado como o pioneiro da produção comercial de ovos na cidade, há cerca de 60 anos, é o avicultor Erasmo Berger, 79.

Após concluir estudos na área agrícola no Rio de Janeiro, Berger retornou a Santa Maria de Jetibá e comprou 550 pintainhas (filhotes) em 1962. Do total, o avicultor diz que repassou 50 para um primo como presente de casamento.

O curioso é que a ideia inicial não era transformar Santa Maria de Jetibá, que ainda nem era um município emancipado, em um destaque na produção de ovos.

À época, a intenção de Berger era usar o esterco das aves para vender adubo orgânico, porque a população local plantava hortaliças, mas enfrentava dificuldades para obter o insumo.

O avicultor não esperava que a comercialização de ovos, um negócio que seria secundário, assumisse protagonismo ao longo dos anos na região.

“Empurrei [a produção] para cima dos meus tios, do meu pai, para conseguir vender, e eles venderam. Aí, fui aumentando. Dois anos depois, já estava com 5.000, 6.000 aves”, conta Berger.

Com o avanço da criação, ele fundou nos anos 1960 a Ovos Pommer, uma das maiores granjas de Santa Maria de Jetibá. Atualmente, a empresa tem cerca de 2 milhões de galinhas na produção, que é administrada por filhos e netos de Berger.

“A gente mesmo não imagina como a coisa deu tão certo assim”, declara.

Um dos obstáculos iniciais para a ampliação da atividade em Santa Maria de Jetibá, ainda nos anos 1960, estava associado à aquisição e ao transporte de matérias-primas.

Diante desse quadro, pequenos produtores à época, incluindo Berger, juntaram-se para a fundação em 1964 de uma cooperativa, hoje chamada de Nater Coop.

“Não tinha fábrica de ração aqui, de Vitória para cá era só estrada de chão. Criamos a cooperativa e fomos comprando ração em conjunto, vendendo ovos em conjunto, e assim foi o desenvolvimento do negócio”, declara Argeo João Uliana, sócio-fundador e vice-presidente institucional da Nater Coop.

Atualmente, os negócios da cooperativa vão além da avicultura e também abrangem ramos como lácteos, café, rações e lojas no varejo. O faturamento em 2022 foi de R$ 1,4 bilhão, segundo Uliana.

Conforme a Prefeitura de Santa Maria de Jetibá, cerca de 50% da arrecadação municipal vem da agropecuária, com destaque para a avicultura. A cidade é rodeada por montanhas, e o centro é composto por ruas estreitas, o que reforça os traços de interior.

Na praça com a estátua da galinha citada no início deste texto, o som dos pássaros só era interrompido pelo barulho do vaivém de caminhões na tarde ensolarada do dia 7 de dezembro de 2023. Boa parte dos veículos transportava cargas agrícolas.

Outra característica do município é a colonização de pomeranos –imigrantes da extinta Pomerânia, território situado entre Alemanha e Polônia.

“Como a gente diz no popular, rolou uma química entre a avicultura e o povo pomerano. É um povo trabalhador, e a avicultura requer muita atenção. O animal não para de comer ou de produzir no final de semana e no feriado”, diz Nélio Hand, diretor-executivo da Aves.

ALTA DOS CUSTOS AFETA ATIVIDADE
De acordo com a PPM, do IBGE, a produção de ovos de galinha em Santa Maria de Jetibá bateu o seu recorde em 2020, ano inicial da pandemia (371,6 milhões de dúzias). O volume diminuiu tanto em 2021 (339,5 milhões de dúzias) quanto em 2022 (318,6 milhões de dúzias).

Na visão de lideranças locais, a baixa nos dois últimos anos refletiu o aumento dos custos de produção com a pandemia e a Guerra da Ucrânia. Pequenos avicultores não teriam suportado a pressão de insumos como milho e soja, usados em rações.

“Os produtores que tinham melhor capacidade de financiamento conseguiram reduzir o volume, mas muitos não resistiram”, diz Hand.

Com a recente trégua dos custos de insumos, a Aves projeta uma retomada da produção em Santa Maria de Jetibá, com avanço na faixa de 10% em 2023.

Até 2015, o município que mais fornecia ovos de galinha no Brasil era o paulista Bastos (a 565 km de São Paulo), conforme os dados da PPM.

Em 2022, a produção local foi de 250,5 milhões de dúzias, a segunda maior do país. Assim, ficou em torno de 21% abaixo da registrada em Santa Maria de Jetibá (318,6 milhões de dúzias).

No ano passado, o município da serra capixaba respondeu por cerca de 92% da produção de ovos de galinha no Espírito Santo (346,2 milhões de dúzias) e por 6,5% no Brasil (4,9 bilhões de dúzias), ainda de acordo com a PPM.

Além dos ovos de galinha, o levantamento do IBGE também pesquisa leite, ovos de codorna, mel, lã e casulos de bicho-da-seda.

Na soma dos diferentes itens, o valor da produção em Santa Maria de Jetibá chegou a R$ 1,6 bilhão em 2022, o maior patamar entre os municípios brasileiros. Dessa quantia, a parcela de 95% veio dos ovos de galinha, aponta a PPM.

Leonardo Vieceli e Eduardo Anizelli, da Agência Folhapress e Tribuna On Line

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