Coronel Serafim Tibúrcio da Costa foi o quarto Chefe do Executivo Municipal (cargo que atualmente equivale ao de Prefeito) e Presidente da Câmara Municipal de Manhuaçu.
Ele governou entre 1892 e 1894, sendo sucedido pelo Vigário Odorico Dolabela, em polêmica eleição.
Protagonista do episódio histórico da chamada ‘República Manhuassu’, que durou 22 dias no ano de 1896, Serafim Tibúrcio nasceu em Jequeri, na época distrito de Mariana, em 1856.
Ele chegou a Manhuaçu em 1880, quando ainda era chamada Vila de São Lourenço.
Serafim foi tropeiro, vendedor de fumo, coletor de impostos e hábil comerciante, antes de assumir o governo municipal.
‘Homem inteligente, persuasivo e trabalhador, logo conquistou a confiança de todos, vindo a ocupar por alguns meses o importante cargo de coletor de impostos’¹.
Serafim também se destacou no comércio, ‘o que lhe rendeu fama como um dos maiores comerciantes de café da região e de pioneiro na ‘mecanização’ da produção do café (instalada ainda na época do Império) e de milho na cidade (já em 1892), utilizando-se de maquinário para beneficiar o produto’.
Em 1889, ano da Proclamação da República, ele aderiu ao republicanismo e foi convidado para participar do Grêmio como conselheiro.
Em 1890, ocupou o cargo de delegado de polícia, até, finalmente, no ano de 1892, ocupar o cargo de agente executivo (Prefeito).
Em 07 de setembro de 1894, tentou a reeleição como governante do município, tendo como opositor o Vigário Odorico Dolabela, irmão do Coronel Frederico Dolabela. ‘De um lado, estava o coronel Serafim Tibúrcio tentando a reeleição sem nenhuma base política federal ou estadual apoiando-o, e, do outro, o vigário Odorico Dolabela apoiado pelo irmão Frederico e o irmão do deputado Henrique Diniz, que morava no município’.
Reeleição: Serafim vence, mas não é empossado
Inusitada situação ocorreu no processo de apuração dos votos. ‘Foi eleito pela Ata assinada pelos coronéis da cidade, o vigário Odorico Dolabela’² e ‘eleito pela maioria do eleitorado o coronel Serafim Tibúrcio com 636 votos de diferença’, como consta artigo do Jornal O Independente’³.
Na época, entendia-se que ‘de nada adiantava ser eleito pela maioria do eleitorado, sem ser aprovado pela maioria dos coronéis membros do conselho, pois a degola seria inevitável’4.
Serafim Tibúrcio não se conformou com a derrota e partiu para a capital mineira para falar com o Governador do Estado, Crispim Jaques Bias Fortes. ‘Este, ao recebê-lo, também não lhe deu ouvidos, pois a legislação em vigor (Artigo nº 68), afirmava que “os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia os Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. idem 4
Ao retornar à Manhuaçu, encontrou a região do Bairro Coqueiro completamente desabitada, pelo então Coronel Nicolau da Costa Matos (Ex-chefe do Executivo), nomeado delegado de polícia no município pelo novo Prefeito, o Vigário Odorico Dolabela. Os moradores do Bairro Coqueiro seguiram Serafim Tibúrcio para fora do município, em um entendimento que o coronel se mudaria para Caratinga, de vez, dando término à sua vida política. ‘Situação essa que o afastou do município por mais de um ano’.5
1896: o ano da República Manhuassu
Pesquisado e relatado por vários historiadores no decorrer dos últimos cem anos, o episódio da chamada ‘República Manhuassu’ tem o Coronel Serafim Tibúrcio da Costa como seu protagonista.
No livro do Professor Flávio Mateus dos Santos (2009), têm-se os seguintes registros sobre este fato.
‘Nos últimos dias de fevereiro de 1896, regressou o Coronel Serafim a Manhuaçu, acompanhado de vinte e tantos indivíduos suspeitos e foi apresentar-se à prisão a fim de ser submetido a julgamento em processo que contra ele tinha sido instaurado e em que fora pronunciado por crime de morte. Submetido o processo a julgamento, foi o coronel absolvido e relaxado da prisão. Permaneceu na cidade com indivíduos que tinham vindo em sua companhia, e, aproveitando-se da condescendência que notava por parte das autoridades para consigo e seus companheiros, fez entrar na cidade avultado número de capangas recrutados nas matas de Caratinga e Peçanha. Munido de tais elementos chegou a ameaçar e afrontar as autoridades da comarca fazendo passear armados de carabina e garrucha seus companheiros e amigos’.6
Segundo Francisco de Paula Andrade, ‘no dia 15 de Maio de 1896, a cidade já estava sob o domínio do coronel Serafim que fechou as fronteiras do município, auxiliado pelos coronéis da cidade (João do Calhau e José Bento Barbosa) e da região, colocando seus capangas em pontos estratégicos impedindo a entrada ou saída de pessoas do município’7.
Diante da situação caótica, ‘o Ex-promotor público Antônio Wellerson mandou seu cunhado Alceste Nogueira da Gama à capital mineira a fim de conseguir forças militares para expulsar da cidade os que estavam fora da Lei’8.
‘Logo que o Governo do Estado tomou conhecimento de tão graves sucessos destacou para Manhuaçu força policial de 25 praças que não chegaram a alcançar a região de Rio Casca, sendo rechaçada. Mais tarde, enviou novo contingente de cem homens, que não conseguiram penetrar, e, acabaram se deslocando para Carangola, onde tiveram a notícia de que Serafim Tibúrcio havia dominado a cidade e feito se aclamar governador ou presidente. O capitão Paschoal, comandante da força policial, reconheceu que seria impossível penetrar na cidade sem derramamento de sangue, visto que os revoltosos estavam bem armados e entrincheirados e dispostos a dar suas vidas pela revolta. Foi então que o Governador do Estado, Crispim Jaques Bias Fortes, pediu ao Presidente da República (Prudente de Moraes) o auxílio para derrotar as forças do Coronel Serafim’ idem 2.
‘O Coronel Serafim Tibúrcio está com mais de duzentos homens em armas, a maior parte dos quais assassinos, residentes nas matas do centro do Estado. Já arvorou alguns indivíduos em delegado de polícia, agente do correio, coletor, etc. Tomou conta da Presidência da Câmara e pôs a cidade em Estado de Sítio, fez buscar o Dr. Juiz de Direito, e debaixo de ameaças fez o mesmo assinar ofícios dirigidos ao governo em favor do mesmo Serafim’ ibidem.
Sem os resultados esperados, ‘o Governador de Minas Gerais pediu o apoio das forças federais, que enviaram a ala do 10º Batalhão do Exército, composta por 110 soldados comandados pelo Major Nelson Nascimento Pereira, mais setenta e um soldados comandados pelo Alferes Speridião, além de outras tropas da região que juntas perfaziam um total de 312 homens, ficando alojados no município de Carangola’ idem 2.
O Historiador Ary Nogueira da Gama evidencia que por não existir ligação férrea entre Manhuaçu e Carangola nesse período, os militares chegaram a cavalo ou a pé.
Ao tomar conhecimento desta nova força policial que tão logo chegaria à Manhuaçu, ‘Serafim Tibúrcio teria mandado seus capangas perseguirem e matar seus principais inimigos (Frederico Dolabela, Odorico Dolabela, Nicolau da Costa Matos, Leopoldo Nogueira da Gama, Cel. David Lopes Abelha, Ardelino de Carvalho e outros mais). Estes, conseguiram escapar da perseguição’ idem 2.
Ciente de que o número de soldados prestes a chegar a Manhuaçu era bem maior que o de pessoas envolvidas com sua causa, ‘o Cel. Serafim Tibúrcio desiste de lutar contra as tropas do governo e ordena aos revoltosos que partam em direção ao Estado do Espírito Santo’ (A República do Silêncio, p. 272)
Sem possuir homens e armamentos necessários para atingir seus objetivos, a curta duração da ‘República Manhuassu’ (10 de maio a 03 de junho de 1896) termina com a invasão das tropas federais no Município, ‘encontrando a cidade de Manhuaçu quase deserta, restando apenas mulheres, crianças e alguns idosos’9.
O Chefe de Polícia responsável pela ação, Alberto Diniz, telegrafou ao doutor Secretário do Interior, Henrique Diniz, avisando o restabelecimento da ordem em Manhuaçu, no dia 03 de junho de 1896, noticiando a retomada do poder municipal pelas autoridades ‘legalmente constituídas’ (Padre Odorico, Costa Matos, dentre outros), conforme o livro de Flávio Mateus dos Santos.
A obra também menciona que ‘não foi aberto inquérito policial sobre esse fato porque o Coronel Serafim Tibúrcio e seus seguidores não foram encontrados pelo poder público para responder por suas ações ou pagar pelos crimes que cometeram’, daí o título do Livro ‘A República do Silêncio’.
O pós ‘república’
Após a derrubada da ‘República Manhuassu’, o grupo dos Dolabela retornou ao poder público e o irmão do Vigário, Cel. Frederico Dolabela, acaba se tornando o prefeito (Chefe do Executivo Municipal e Presidente da Câmara), administrando o município por mais dois mandatos (1897 a 1905), conforme relata o Historiador Roberto de Assis Miranda.
Quanto ao Coronel Serafim Tibúrcio, este ‘teria retornado raras vezes a Manhuaçu, aparecendo de vez em quando, por ocasião das eleições municipais’10.
Há cento e um anos, morria Serafim
Coronel Serafim Tibúrcio da Costa faleceu no dia 19 de novembro de 1919, por morte natural, aos 68 anos de idade, em Espera Feliz. Como a ferrovia já havia sido inaugurada em Manhuaçu (entre 1915 e 1918), o féretro foi transportado por trem de ferro, da cidade vizinha até Manhuaçu. ‘O meu pai, o sogro do meu pai e meu avô disseram que foi o enterro mais concorrido que eles jamais viram em suas vidas. Saiu da estação ferroviária e não houve cortejo, o caixão foi passado de mão em mão até chegar ao cemitério, e o único vestígio que restou foi uma palmeira, que eu ainda creio que exista lá… E nesta palmeira, dizem que debaixo dela está o corpo do Serafim Tibúrcio, que pediu para ser sepultado em cova rasa’, relatou Celso de Oliveira, antigo morador, em entrevista ao Professor Flávio Mateus, no ano de 2005.
‘Antes de adoecer e se mudar para Espera Feliz (MG), o Coronel Serafim Tibúrcio morou em Afonso Cláudio (ES), retornando à vida política e elegendo-se vereador. Foi proprietário de terras e outros imóveis protagonizando muitas outras manifestações políticas com consequências ainda mais desastrosas que a malfadada experiência da ‘República Manhuassu’, envolvendo novamente as tropas federais’, relata Professor Flávio Mateus em seu livro.
Busto e nome de rua
Em 1977, ano do centenário de Manhuaçu, foi esculpido busto em homenagem à memória do Coronel Serafim Tibúrcio que, originalmente, seria colocado na Avenida Getúlio Vargas (onde hoje existe o Calçadão do Coqueiro). No entanto, em razão de protestos de familiares do também saudoso Antônio Wellerson, a obra ficou guardada durante muito tempo aos cuidados da Casa de Cultura.
Há alguns anos, o busto foi instalado na Praça Carlos Alberto de Castro, entre a Avenida Salime Nacif e a Rua Capitão Luiz Quintino de Souza, próximo ao Palácio da Cultura e à EE Antônio Wellerson.
Também no Bairro Coqueiro, está situado logradouro que recebeu o nome de Rua Coronel Serafim Tibúrcio.
(Thomaz Jr. c/ informações do Livro ‘A República do Silêncio’ e do Jornalista Sebastião Fernandes) #cidadesdocafe
Fontes bibliográficas:
¹JÚNIOR, Augusto Pereira a Costa. DELGADO, Ignácio José Coutinho (Orientador). Perfil da Política no Estado de Minas Gerais (1889-1898). Um estudo de caso: A Guerra Coronelística em Manhuaçu Juiz de Fora: (Monografia), UFJF, 1995, p. 58 e 75. MIRANDA, Roberto de Assis, Histórico de Manhuaçu, Manhuaçu: Datilografado, 1977, p. 35. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 131;
²MINAS GERAIS. Conflitos em Manhuassu. Ouro Preto: 21, jun. 1896. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 158;
³O INDEPENDENTE, A Dinastia Dolabelista, Manhuaçu, 19, jun. 1910. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 158;
4RESENDE, Maria Efigênia Lage. Formação da Estrutura de Dominação em Minas Gerais: O novo PRM (1889-1906). Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 85. TREVISAN, Leonardo, A República Velha. São Paulo: Global, 6ª ed. 1997, (História Popular, nº 05) p. 25. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 158;
5JÚNIOR, Augusto Pereira a Costa. DELGADO, Ignácio José Coutinho (Orientador). Perfil da Política no Estado de Minas Gerais (1889-1898). Um estudo de caso: A Guerra Coronelística em Manhuaçu Juiz de Fora: (Monografia), UFJF, 1995, p. 81 APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 160;
6MINAS GERAIS. Conflitos em Manhuassu. Ouro Preto: 05, jun. 1896. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 255 e 256;
7ANDRADE, Francisco de Paula. História Sentimental de Manhuaçu. Manhuaçu: Expansão Cultural, 1977, p. 37, APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009;
8GAMA, Ary Nogueira da. Acontecimentos do Manhuaçu. Manhuaçu: Datilografado, 1977, p. 07. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 269;
9MINAS GERAIS. Conflitos em Manhuassu. Ouro Preto: 05, jun. 1896. APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 272;
10MIRANDA, Roberto de Assis. Histórico de Manhuaçu. Manhuaçu: Datilografado, 1977, p. 28, APUD SANTOS, Flávio Mateus dos. A República do Silêncio, Manifestações do Poder Local no Leste de Minas 1877-1896, 1ª ed., Funec/ Caratinga, 2009, p. 275.